A Quaresma é, como há muito sabemos, um tempo de conversão. Esse é um
tema que jamais perde a sua atualidade na vida cristã, por isso
queremos mais uma vez refletir sobre ele. A imposição das cinzas – com
que a Igreja inicia a nossa preparação para a celebração solene do
Tríduo Pascal –, não pode ser um gesto formal, folclórico, mera
tradição. Ele deve ser expressão de um compromisso de deixar-se moldar
pelo Espírito Santo para a conversão pessoal e comunitária.
O Antigo Testamento, ao tratar da conversão, acentuava muito o
aspecto cultual, a rejeição do culto pagão, a passagem da idolatria para
a adoração do verdadeiro Deus e a submissão à sua Lei, concedida ao
povo por intermédio de Moisés. Em resumo, a conversão era abandonar a
idolatria e cumprir o que determinava a Aliança Sinaítica. Mais tarde,
os profetas aprofundam o tema, não só anunciando uma aliança interior,
mais perfeita, mas também insistindo na compaixão para com os
desvalidos: órfãos, viúvas e pobres. Na linha dos profetas do Antigo
Testamento, podemos inserir o maior de todos: João Batista. Ele insiste
na mudança de atitude, na prática da justiça, da solidariedade,
compaixão e mansidão como necessárias para acolher o Messias.
A atividade pública de Jesus começa com forte anúncio:
“Convertei-vos...”. Na Quarta-Feira de Cinzas sentimos ainda o eco da
voz do Senhor, que mediante a Igreja, nos convida à conversão:
“Convertei-vos e crede no Evangelho”. É em chave cristã que somos
chamados a entender o forte convite de Jesus. Para isso, eu tomo a
parábola do Filho Pródigo ou do Pai Misericordioso, pois nela vamos
encontrar o mais significativo exemplo do que nós cristãos devemos
entender por conversão: é abandonar os falsos deuses, que insistem em
dominar o nosso coração, e ir ao encontro do Deus verdadeiro, o Pai. Ir
ao encontro d’Ele e deixar-se transformar por Seu amor é fonte de uma
nova vida. Por isso, Jesus, ao ser procurado por Nicodemos, explicou-lhe
que seria necessário nascer de novo para ver o Reino de Deus.
Podemos afirmar: aqui está o verdadeiro sentido da conversão: “nascer de novo”.
É essa a grande maravilha que Deus quer operar na vida dos seus amados.
A conversão é recriação do ser, um fato mais admirável que a criação do
Universo. É obra em primeiro lugar do Espírito Santo em nós, para que
com sabor novo possamos pronunciar: “Abba”.
Parece-me que o belíssimo quadro “A volta do filho pródigo”, de
Rembrandt, quis expressar essa realidade da conversão como um novo
nascimento, quando nos apresenta o filho estreitado entre as mãos do
pai, com a silhueta um tanto informe de um embrião humano. Ele está
sendo gestado na luz, no calor, no abraço amoroso do Pai Misericordioso.
Assim, a conversão nos lança num relacionamento mais profundo e íntimo
com Deus, a quem não vemos e, necessariamente, com os irmãos, aos quais
vemos bater à nossa porta com fome, frio, cansaço, doença, solidão e
desespero. Só homens e mulheres “novos” sentirão compaixão ao ver nos
rostos – deformados pela miséria –, a face mesma de Jesus.
No período da Quaresma, a Igreja quer preparar seus fiéis,
mediante a solene celebração do Tríduo Pascal, para a renovação de nossa
existência em Cristo. Os exercícios quaresmais como jejuns,
abstinência, esmola, paciência com o próximo, irão favorecer esse nascer
de novo. Seremos gestados no seio da Igreja, na comunidade.
Na força da vida nova que nos impregnará, com ardor renovaremos
nosso compromisso de servir o Reino de Deus, de dobrar, em atitude
humilde e serviçal, os joelhos diante de nossos irmãos pequeninos. É
essa a graça que mais devemos almejar ao participar da celebração do
Tríduo Pascal.
Fonte:cancaonova.com